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Devedoras conseguem parcelar dívidas de condenações judiciais

Empresas em dificuldades financeiras estão conseguindo aliviar o peso de condenações judiciais sobre seu caixa com o uso de um dispositivo legal criado em 2006. Trata-se da possibilidade de obter o parcelamento de dívidas decorrentes de contratos come

Fonte: Valor Econômico

Laura Ignácio

 

 Empresas em dificuldades financeiras estão conseguindo aliviar o peso de condenações judiciais sobre seu caixa com o uso de um dispositivo legal criado em 2006. Trata-se da possibilidade de obter o parcelamento de dívidas decorrentes de contratos comerciais ou financeiros que foram parar na Justiça em até seis vezes. O dispositivo foi previsto pela Lei nº 11.382, uma das normas que promoveram a reforma do processo de execução civil, e vem servindo de base para algumas experiências bem-sucedidas na Justiça dos Estados. O problema, segundo especialistas, é a falta de definição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a aplicação do dispositivo para essas condenações - a chamada execução de títulos judiciais. Isso porque a nova lei só prevê expressamente a possibilidade de uso da moratória para os títulos executivos extrajudiciais - como os cheques e duplicatas.

 

 Um exemplo de aplicação da nova legislação em condenações judiciais foi definido recentemente pela 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Uma empresa de manutenção hidráulica havia ingressado com uma ação de cobrança contra uma importadora e saiu vencedora do litígio na Justiça. Mas a empresa de importação ajuizou um recurso para pedir o parcelamento do pagamento, usando como base o artigo 475-R do Código de Processo Civil (CPC) - inserido pela Lei nº 11.382 -, que estabelece que as regras da execução de títulos extrajudiciais podem ser aplicadas, subsidiariamente, à execução de títulos judiciais. No TJSP os desembargadores concederam o parcelamento da dívida, afastaram a possibilidade de penhora on-line e não impuseram a multa de 10% que, de acordo com o artigo 475-J do código, é devida na execução de condenações judiciais.

 

 Com base no artigo 475-R, alguns juízes dos tribunais de Justiça de São Paulo, Rio e Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais têm concedido o parcelamento previsto na execução de títulos extrajudiciais e, assim, facilitando o pagamento de condenações judiciais. Mas alguns magistrados rejeitam pedidos desse tipo e há ainda aqueles que encontram uma solução mista: concedem a moratória, porém impõem a multa de 10% prevista para a execução de títulos judiciais. Para que o juiz aceite o parcelamento, o interessado deve reconhecer a dívida prevista na condenação e fazer o depósito de 30% do valor em discussão. Os 70% restantes podem ser pagos em até seis vezes, com acréscimo de correção monetária e juros de 1% ao mês.

 

O advogado Pérsio Thomaz Ferreira Rosa, do escritório Ferreira Rosa Sociedades de Advogados, já conseguiu sete decisões que deliberam o parcelamento na primeira instância da Justiça paulista - tanto em Jundiaí, no interior de São Paulo, quanto na capital. Ele afirma que, em apenas uma das decisões, o juiz impôs a multa de 10% sobre as parcelas a pagar - decisão da qual já recorreu. Ao conseguir o parcelamento, o advogado acredita evitar que empresas em dificuldades financeiras fechem as portas. "A medida é importante especialmente na época atual", diz Rosa. Para convencer o juiz, o advogado sustenta a aplicação do artigo 475-R, do princípio constitucional da menor onerosidade e do artigo 620 do Código de Processo Civil, que determina que o juiz mande que a execução se faça "pelo modo menos gravoso para o devedor".

 

 Na grande maioria dos processos que tramitam no TJSP, contudo, as decisões dos desembargadores não permitem o parcelamento, segundo uma pesquisa realizada pelo advogado Elias Marques de Medeiros Neto, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. O advogado afirma que, na maioria das decisões publicadas no site do tribunal, os desembargadores entendem que a moratória só é aplicável aos títulos executivos extrajudiciais. "E das decisões que autorizam o pagamento em vezes, 50% impõem a multa de 10% sobre o valor a ser parcelado", contabiliza. Juízes contrários ao parcelamento argumentam comumente que não é justo o credor ter que esperar mais seis meses para receber o valor devido após ter aguardado um longo tempo pela sentença condenatória do devedor. Em alguns casos, no entanto, o parcelamento pode viabilizar um pagamento que não ocorreria de outra forma. "Se o devedor não tiver capital ou só tiver bens ilíquidos, o parcelamento é a melhor alternativa", diz Medeiros.

 

Há, no entanto, advogados que defendem a aplicação do parcelamento mesmo em casos de empresas fora da situação de insolvência. O advogado e professor de direito tributário da PUC, Cassio Scarpinella Bueno, afirma que há uma compensação financeira interessante para o credor por conta da correção monetária e dos juros. "Afinal, qual investimento rende 1% ao mês, sem risco?", questiona. Ele lembra ainda que, se houver descumprimento de uma única parcela, há a previsão da multa compensatória de 10%.

 

 Ainda que interessante à primeira vista, o pedido de parcelamento pode oferecer riscos para o devedor, segundo o advogado Flávio Pereira Lima, sócio da área de contencioso do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados. De acordo com ele, o pedido de moratória implica que o devedor assuma a dívida imposta no título judicial e abra mão de recursos contra a condenação. "Se o devedor não tiver o pedido de parcelamento deferido pelo juiz, como teve que reconhecer a dívida em seu valor exato para fazer tal pedido, perde a chance de impugnar a quantia antes em discussão", diz.

 

 

Reforma processual foi separada em duas leis

 

 Fernando Teixeira

 

A reformulação do processo de execução civil foi um dos principais pontos da reforma do Judiciário promovida entre 2003 e 2006, ao lado de temas como a criação da súmula vinculante e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, elegeu o tema como prioritário logo que assumiu a pasta, devido ao seu impacto econômico - imaginava-se que a reforma ajudaria a reduzir o spread bancário. Mas, apesar de a reforma ser uma só, foi separada em dois projetos de lei por uma questão de estratégia política: sendo um projeto de grande escala - alterava 114 artigos do Código de Processo Civil (CPC) -, a proposta poderia ter dificuldades de tramitar no Congresso Nacional.

 

O resultado foram duas leis alterando o processo de execução civil. Uma parte da reforma resultou na Lei nº 11.382, de 2006, batizada de lei de execução de títulos extrajudiciais, concentrando a maior parte das mudanças - alterou 88 artigos do CPC. A outra parte resultou na Lei º 11.232, aprovada em 2005 e chamada lei da execução de títulos extrajudiciais, que reformou os outros 26 artigos do CPC. Na lei dos títulos judiciais ficou a parte da reforma que acaba com a separação entre o processo de conhecimento e o de execução, previu o fim do efeito suspensivo dos recursos e introduziu a multa de 10% caso não haja pagamento voluntário do valor da condenação pelo devedor em até 15 dias. Já a lei de execução de títulos extrajudiciais renovou a fase de leilão de bens e previu o uso preferencial da penhora on-line, além do parcelamento em seis vezes.

 

 O texto adotado por Thomaz Bastos foi elaborado por membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual - os juristas Athos Gusmão Carneiro e Ada Pelegrini e o secretário-geral da entidade, Petrônio Calmon. Segundo Calmon, tanto a execução de títulos judiciais com a execução de títulos extrajudiciais fazem parte de uma só proposta, e a própria lei prevê que as regras devem ser aplicadas subsidiariamente. Para ele, a regra que prevê o parcelamento em seis vezes deve ser aplicada tanto aos títulos judiciais como aos extrajudiciais - desde que fiquem evidentes as dificuldades do credor de pagar a dívida à vista.

 

Segundo Calmon, o objetivo da reforma foi o de acelerar a execução - portanto não faz sentido alegar de que o parcelamento dos títulos judiciais atrasará a cobrança da dívida. Se a empresa persistir na cobrança até o fim, tentando ir atrás de bens para penhora, irá demorar muito mais tempo para receber o devido e ainda correrá o risco de ver a execução embargada pelo devedor.

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